quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Vivendo na Caverna do Dragão

     Quem tem seus trinta e poucos anos (com uma margem de erro de alguns anos, para mais ou para menos) conhece o desenho Caverna do Dragão. Mas, se você não sabe do que estou falando, resumo em poucas palavras: um grupo de amigos, em busca de algo novo, de adrenalina, emoção e diversão, decide fazer um passeio numa montanha-russa chamada Caverna do Dragão, localizada na cidade onde moram (lugar ao qual, ao longo dos episódios, eles se referem simplesmente como "casa"). Acontece que, aquilo que prometia algo muito legal acaba se transformando num tormento: no lugar de uma boa dose de adrenalina, eles são enviados ao mundo estranho, hostil, momento a partir do qual o único objetivo desses amigos é encontrar o caminho de "casa". A cada um resta, além da obstinação em encontrar o tal caminho, a companhia dos demais, pois além de terem o mesmo objetivo, são as únicas referências que tem do mundo que deixaram pra trás. Além deles, surgem um "conselheiro" que os enche de enigmas os quais, supostamente, os ajudariam a voltar pra casa; um unicórnio irritante que só faz atrapalhar ainda mais a vida dos caras; um capeta de um chifre só e um dragão de várias cabeças que também só empatam a trajetória da turma. Em cada episódio, a sequência é praticamente a mesma: surge alguém em perigo ou inimigo novo; o tal conselheiro aparece do nada e fala umas coisas sem pé nem cabeça, que mais confundem do que inspiram; depois de sofrer um bocado, alguém tem um "estalo", decifra o enigma e descobre uma forma de encontrar o "caminho de casa"; quando estão todos com um pé do lado de cá, pronto, alguma merda acontece e, mais uma vez, todos se encontram presos no tal mundo misterioso. É como se o problema não fosse o capeta "monocorno", o dragão mutante ou o unicórnio insuportável, mas sim o tal do "quase". Essa é a ideia geral do desenho. Se ainda assim não entendeu, vai pro Google e se vira.

      Às vezes dá essa sensação de estar preso num universo semelhante ao do desenho.

     Devido a uma situação de tédio, mesmice, falta de entusiasmo, buscamos algo que nos traga um novo ânimo, situações mais divertidas, interessantes, uma quebra de rotina, uma nova realidade. Claro que essa busca visa algo mais duradouro do que uma viagem de montanha-russa e, por isso, conseguir esse 'algo' não é tão simples quanto comprar um ingresso, sentar num carrinho, baixar a trava e erguer os braços. Pelo contrário. Demanda tempo, planejamento, dedicação, esforço, renúncias. Então, quando finalmente se consegue o tal 'algo' - o entrar no carrinho - tudo vira festa, diversão, sentimento de conquista, de poder (no sentido de 'eu posso', não 'eu mando'). Mas aí...

    Passada a euforia inicial, o passeio na montanha-russa começa a perder a graça, torna-se repetitivo, monótono, sem graça e quando nos damos conta, estamos numa realidade que não é bem aquela que imaginávamos (aqui faço uma ressalva: enquanto no desenho essa mudança de mundos é abrupta, na vida real ela acontece de uma forma lenta e disfarçada). Quando se realiza que se está onde não se queria, bate aquele desepero e, logo em seguida, monta em nossos ombros uma desgraça que vai nos acompanhar por muito tempo: a dúvida. "Por que fui ao parque naquele dia? E se eu tivesse escolhido a roda-gigante? Estava tão confortável na minha cama, não deveria ter inventado pra cabeça...".
   
    Finalmente chega a parte mais ingrata de todas: as eternas tentativas de mudar tudo de novo, de se libertar definitivamente da realidade que incomoda (ainda que não seja de toda ruim, não é a realidade que possa ser chamada de perfeita), de insistir muitas e muitas vezes seja em voltar pra "casa" ou ir pra outra "casa" qualquer, desde que tenha para te oferecer o que seu mundo atual não oferece. Aí você tenta, tenta, chega beeeeeeeeeeeeeem perto, mas ali, na marca do pênalti, falha. Tenta de novo - e de novo - e fracassa, mais uma vez. E aqui o negócio fica ainda pior do que no desenho: lá eles tem uma gama de criaturas sobre as quais jogar a culpa das suas tentativas fracassadas; do lado de cá, não dá. Um ou outro pode até tentar tirar o seu da reta e dizer que a culpa foi do vento, da chuva, do mau-olhado, da praga rogada, do governo; talvez nem seja uma questão de covardia, mas uma tentativa de minimizar o sofrimento de saber que, na verdade, a culpa é toda sua. Pois quem já tentou e falhou sabe bem que a frustração não desce fácil. No primeiro filme dos "X-Men", ao ver as garras saindo das mãos do Wolverine, a Vampira pergunta a ele se aquilo dói. Ele responde: "Toda vez...". Saindo da metáfora da Caverna e usando a dos mutantes, a frustração é como as garras do Wolverine, uma coisa com a qual não se acostuma.
    
     O mais difícil é você realizar que não pertence àquela realidade, saber qual é o caminho para se livrar dela (talvez existam outros, mas você os desconhece), fazer o que está ao seu alcance para cruzar a linha que divide os dois mundos mas nunca conseguir (a coisa piora quando você vê que outros já conseguiram e você, NADA). O ideal, então, seria adaptar-se nessa realidade que você não entende como sua, só tendo o trabalho de se esconder do "capeta monocorno" e desencanar de vez de encontrar o "caminho de casa". Afinal, não há armadura/paciência ou arma mágica/perseverança que dure pra sempre.
     
     Talvez uma poça de realizações seja melhor do que um oceano de expectativas...