segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Texto 9

          Esse exercício consistia em descrever a evolução de determinada fase da vida de um personagem usando apenas frases curtas. A intenção é fazer com que o leitor perceba essa mudança na fala do personagem, sem qualquer outro recurso de narrativa.


Eu resolvi esperar.

Não gosto de balada.

Quero namorar antes.

Eu não bebo.

Onde é esse clube?

Gosto só de cerveja.

Estou aqui a passeio.

É open bar?

É a minha primeira vez.

Com vodca fica bom.

Estou arrependido.

Quero fazer de novo.

Não uso aplicativo.

Oi, quer teclar?

Não tenho local.

Não pago para fazer isso.

Tenho local.

Não tenho fetiches.

Só fumo careta.

Quanto é o programa?

Couro me dá alergia.

Não curto casais.

Essa aqui é da boa, purinha.

Somos só nós três?

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Texto 8 - Canibais

Nesse o exercício consistia numa situação banal e um diálogo incomum.

(Restaurante refinado, percebe-se pela decoração, pelas roupas dos clientes – apenas adultos, alguns idosos - pelos uniformes dos garçons e pela quantidade de copos e talheres nas mesas, que se trata de um local frequentado por pessoas de alto poder aquisitivo. Ao fundo, quase imperceptível, o som de um violino preenche o ambiente, trazendo ainda mais requinte ao jantar. Assim que Abigail e Aníbal entram no restaurante, atraem todos os olhares. Ela, impecável num vestido vermelho, cabelos presos em coque, uma estola sobre os ombros, e ele igualmente elegante num terno feito sob medida, o cabelo meticulosamente penteado e os dentes impecavelmente brancos. Sentam-se numa mesa no centro do salão, um de frente para o outro. A hostess se oferece para guardar a estola de Abigail enquanto o garçom entrega os cardápios e a carta de vinhos. Aníbal dispensa os papeis com um simples gesto da mão. O garçom se retira, com ar confuso).

ABIGAIL – Você deve mesmo ser muito bem relacionado. Trazer o seu próprio jantar para ser servido aqui. Os pratos daqui são famosíssimos, tem até lista de espera, mas você os despreza para servir os seus.

ANÍBAL – Primeira correção: não são meus, são nossos. Aliás, seus, afinal você os preparou. Segunda correção: não estou desprezando a comida daqui, apenas prefiro a sua, nessa ocasião. É um jantar especial, não acha?

ABIGAIL, sorrindo de forma sedutora: - Especial? É, pode ser. Afinal é o nosso primeiro jantar depois que você me deixou agir sozinha; mais importante ainda, o primeiro jantar que eu preparo para você.

ANÍBAL – Justamente. Por isso não poderia servi-lo na sua ou na minha cozinha.

ABIGAIL – Mas sua cozinha é impecável!

ANÍBAL – Obrigado, mas lá não teríamos o que temos ao redor. Essas pessoas que aqui estão irão para as suas casas depois do jantar sem imaginar o que foi servido para nós. Se soubessem, provavelmente surtariam.

ABIGAIL – Vendo por esse lado, realmente vai ser algo bem especial.
(Um garçom se aproxima e serve vinho para ambos)

ABIGAIL – Esse é de sua adega, presumo.

ANÍBAL – Sim, claro. Meu amigo Frank, o dono do restaurante, ficou mais ofendido por eu ter trazido o vinho do que a comida – sorri – mas como disse, é uma noite especial.

ABIGAIL, levantando a taça – Brindemos, então. Saúde!

ANÍBAL – Saúde!
(Ambos bebem um gole, degustando. Abigail abre os olhos numa expressão de prazer)

ABIGAIL – Meu Deus, Aníbal! Se eu soubesse que iria beber um vinho desse, teria me apressado em preparar esse jantar!

ANÍBAL – De forma alguma, tudo ao seu tempo. Eu espero, inclusive, que a comida faça jus ao meu vinho.

ABIGAIL perde o sorriso e deixa a taça sobre a mesa: - Por favor, você não deve esperar pratos tão saborosos quanto os que você prepara, Aníbal. Eu preciso que seja compreensivo. Foi a minha primeira vez sozinha. Creio que fui uma boa aluna, mas só com a prática se chega à perfeição.

ANÍBAL, deixando a taça sobre a mesa e tocando a mão de Abigail com a ponta dos seus dedos: - A perfeição não existe, por isso nós, os perfeccionistas, nunca a atingimos. Vou levar em consideração que é a sua primeira vez. Mas me conte sobre os ingredientes, antes de pedirmos para que nos sirvam. Quantos foram?

ABIGAIL – Dois. Embora apenas um seja suficiente para a maioria dos pratos que você me sugeriu, eu escolhi como principal logo aquele que usa baço. Aí apenas um não seria suficiente, eu precisava de dois.

ANÍBAL – Entendo. Imagino que tenha guardado o que não usou de forma correta, não?
ABIGAIL – Sim, claro. Eu sabia que muita coisa iria sobrar, especialmente os intestinos. Se eu precisar de uma nota de recuperação, tenho certeza que o acondicionamento dos excessos vai me fazer passar de ano.

ANÍBAL – Não tenha medo, não vou reprová-la, apenas umas aulas de reforço, se julgar necessário – Aníbal pisca para Abigail. Mas me conte mais. Como foi o abate?

ABIGAIL – Sabe o que nivela todas as pessoas? O ego. Basta você se insinuar, demonstrar que está atraída, com tesão, que ninguém resiste. Todo mundo quer se sentir desejado. Não foi diferente com Tomas e Tarsila.

ANÍBAL – Irmãos?

ABIGAIL – Não, apenas coincidência. Tomas foi fácil. Homens. Bastou uma volta no Vila Dionísio e pronto. Menos de duas horas depois lá estava ele me seguindo. Foi tão simples que nem teve tanta graça. Sorte a dele que nem teve tempo de ver a faca se aproximando. Acho que por isso, também, não usei quase nada além do baço. Foi muito fácil para usá-lo no menu de hoje. O freezer ficou quase todo cheio só com Tomas.

ANÍBAL – E você guardou tudo?

ABIGAL – Sim, guardei. Ainda que você não goste do que preparei, eu vou ter que jantar e almoçar outras vezes.

ANÍBAL – Depois falamos sobre isso. Aliás, eu preciso ir até sua casa e ver em que condições você o armazenou. Eu sei que lhe ensinei à exaustão, mas nunca com dois corpos de uma vez. E ao menos que tenha preparado comida para toda a clientela desse restaurante, hoje, você também não usou Tarsila por completa. Usou?

ABIGAIL – Não, não usei. Só que enquanto eu consegui Tomas anteontem, Tarsila eu consegui dois dias antes dele.

ANÍBAL – E você precisou almoçar e jantar de lá para cá...

ABIGAIL – Exato.

ANÍBAL – Gostaria que você tivesse me dito isso antes, que tinha a intenção de usar dois de uma vez só. Você conseguiu Tarsila faz quatro dias. Muito tempo para um baço ficar congelado.

ABIGAIL – Poxa, mas você sempre congela tudo, tem uma câmara fria enorme!

ANÍBAL – Sim, tenho, mas nem todas partes podem ficar congeladas por muito tempo. Quero dizer, podem, não apodrecem, mas isso altera o sabor, a consistência deixa de ser a ideal. Nunca lhe expliquei isso pois realmente não imaginei que pegaria dois de uma só vez. Subestimei você. Mas você disse que conseguiu ambos pelo desejo, pelo tesão. Como foi com Tarsila? Você é bissexual?

ABIGAIL – Claro que não. Eu nunca tive a intenção de foder com ela, Tomas eu confesso que até considerei, mas isso não me impediu de flertar com a moça. Tarsila eu encontrei numa sala de bate papo. É incrível como essas pessoas ainda se escondem nas sombras, coitadas. Enfim, conversamos, trocamos Skype, a convidei para o sítio, ela topou. Doida. Devia estar desesperada para aceitar ir para o meio do mato assim, com uma estranha.

ANÍBAL – Mas você é encantadora. Você mesma disse que basta mostrar interesse nas pessoas que elas sucumbem. Linda assim, qualquer um vai para o meio do mato com você.

ABIGAIL – Obrigada. Sempre um galanteador. Só que ela me deu mais trabalho. Não bebe – ou melhor, não bebia. Esse povo todo natureba, vegano, essas coisas. E isso foi falha minha, pois eu deveria ter perguntado antes. Sem beber ficou difícil eu dominá-la.

ANÍBAL – E como conseguiu?

ABIGAIL – Bom, como você disse que estressar a pessoa antes da morte pode por tudo a perder, por conta das substâncias que o corpo libera nesses momentos de medo e pavor, tive que apelar para o bom e velho atiçador de lareira. É, eu sei, faz sujeira e o cérebro fica comprometido para consumo, dependendo da força que se aplica. Só que eu não aguentava mais aquela baboseira de natureza, animaizinhos, Greenpeace. Uni o útil ao agradável e acabei logo com o meu martírio. Fiz que ia ao banheiro e ela nem viu a pancada.

ANÍBAL – Estou começando a achar que liberei você cedo demais. Falha minha. Eu tinha que ter antevisto essas coisas. Foquei em lhe ensinar como retirar, preparar e preservar os órgãos e me esqueci que antes disso tudo teria que se ocupar dos corpos.

ABIGAIL – Então façamos assim. Hoje você avalia meu talento como colhedora, armazenadora e cozinheira. Depois começamos um novo módulo e você me ensina como ser uma boa caçadora e abatedora. Que tal? – Abigail levanta a taça, propondo um brinde.

ANÍBAL, levanta a taça, respondendo ao brinde: - Combinado, que assim seja. Pedimos para que o garçom nos sirva, então?


ABIGAIL – Por favor! Certamente seu amigo Frank já teve tempo o suficiente para preparar todos os pratos. Só espero que ele tenha seguido minhas instruções corretamente. Vamos comer! Mais do que estar com fome eu estou curiosa para saber a sua opinião.

sábado, 22 de outubro de 2016

Texto 7

O exercício consistia em criar uma cena onde o diálogo fosse banal e a situação inusitada, incomum, surpreendente.

(Sala de um necrotério, as paredes da direita e do centro tomadas por gavetas refrigeradas onde ficam os corpos; na da esquerda a porta de acesso, duas pias, um armário tipo fichário, e outro maior, utilizado para guardar os pertences pessoais das funcionárias e demais objetos. No meio da sala, duas mesas metálicas que são utilizadas para a preparação dos corpos, antes de serem levados ao velório. Duas mulheres na sala. Jurema, a mais velha, mais de cinquenta anos, está em pé ao lado de uma das mesas, preparando um corpo, passando uma esponja sobre o mesmo, como quando se banha uma pessoa acamada – a outra mesa está vazia – enquanto Paloma, jovem de vinte e seis anos, perambula pela sala, levando e trazendo utensílios usados por Jurema. Como numa cirurgia, a média e a assistente).

JUREMA, com a voz um pouco abafada por causa da máscara frente à boca: - Ela está grávida, eu tenho certeza!

PALOMA – Mas só porque ela engordou?

JUREMA – Ah, mulher sabe dessas coisas, ainda mais sendo minha filha! Gislaine tá ganhando peito, bunda, muito rápido! Tenho certeza que a danada fez besteira. Me ajuda aqui, segura essa perna.

PALOMA, colocando a máscara sobre a boca e segurando a perna direita do morto, quase num ângulo de noventa graus: - E o que ela disse quando você perguntou para ela? Negou?

JUREMA – Pior que eu ainda não perguntei...

PALOMA – Como não? Ai se eu desconfio que uma filha minha de quinze anos aprontou uma dessas eu não deixaria quieto...

JUREMA – Que filha, garota? Você não tem idade para ser mãe da Gislaine, não.

PALOMA – Você entendeu o que eu quis dizer, né Jurema? Posso baixar a perna?

JUREMA – Pode. Agora levanta a outra. O problema é que eu não sei como puxar esse assunto com ela sem o pai dela perceber. Se for mesmo verdade eu não quero nem ver o que o Gilberto vai fazer com essa menina...

PALOMA, segurando a perna esquerda na mesma posição da outra:
- Só que se for mesmo gravidez, não vai demorar muito tempo para ele perceber também né?

JUREMA para de passar a esponja e apoia as duas mãos na mesa, cabeça baixa:
- É, eu sei. Ai menina, estou num mato sem cachorro. E para ajudar tenho esse emprego com esses horários malucos. Isso era hora de uma mãe de família estar trabalhando? Desce a perna.

PALOMA, repousando a perna cuidadosamente sobre a mesa:
- Por isso eu acho que vou ficar para tia. Que homem vai querer namorar uma mulher que mexe com defunto, de madrugada? Passando a mão em gente pelada?

JUREMA, indo em direção à pia, retirando as luvas e a máscara da boca:
- Que jeito de falar, menina! “Passando a mão em gente pelada”. Quem ouve vai pensar que em vez de um necrotério isso aqui é a zona.

PALOMA, igualmente tirando as luvas e a máscara:
- Ai, tá bom, desculpe. Esqueço que você é toda séria.

JUREMA, sem se virar, ainda com a atenção na pia, lavando objetos:
- Não é uma questão de ser séria, mas de se dar ao respeito.

PALOMA – Ok, já entendi. Mas estamos só nós duas aqui, vai. E não deixa de ser verdade o que eu disse. Se bem que, no caso desse presunto aí, eu preferiria era passar a mão nele ainda vivo. Baita homem desse. Que desperdício...

JUREMA se vira bruscamente e levanta a voz: - Olha o respeito, menina! Que coisa mais horrível, falar assim de um falecido. Ele pode estar morto, mas certamente existem pessoas que estão sofrendo pela perda dele. Se não consegue respeitar o finado, ao menos tenha respeito pela família dele!

PALOMA – Nossa, Jurema. Que exagero. Já disse, só estamos nós duas aqui. Essa bronca eu mereceria se dissesse isso na frente de algum desses familiares, amigos, sei lá. Como você conseguiu ficar tantos anos nesse emprego, se importando tanto assim? Você leva para casa o sofrimento alheio, de pessoas que você nem sabe quem são?

JUREMA, abrindo o armário e retirando de dentro dele um terno, uma camisa, uma gravata, uma cueca, um par de meias e um par de sapatos, colocando-os na mesa vazia:
 – Eu não levo nada para casa, apenas acho desnecessário e desrespeitoso esse comportamento. Ainda que ele tenha sido um bandido, uma pessoa horrível em vida, não tenha família ou amigos para chorar a sua morte. Agora é entre ele e Deus. Nosso papel aqui e tratar o corpo dele com respeito e dar a ele um fim digno, independente do que ou quem ele tenha sido antes de chegar aqui. Se você quer manter esse emprego, melhor repensar suas atitudes e, principalmente, suas palavras.

PALOMA - Tudo bem, embora não concorde com você, pois eu acho que depois que morre o ser humano vira apenas matéria orgânica, comida de verme, ou do fogo que seja, me policiarei para não fazer mais comentários como esses perto de você. Já com relação ao emprego, agora eu preciso dele, mas garanto que não quero passar o resto da minha vida aqui.

JUREMA, desdobrando cuidadosamente as peças de roupa – Pois que assim seja. Enquanto eu for a responsável aqui, prefiro mesmo que se comporte da forma que eu acho correta. Quando eu não estiver mais aqui, ou quando você ganhar as contas, faça como quiser. Pouco me importa. Agora, coloque suas luvas e me ajude aqui.

PALOMA – Cueca? Para que cueca no corpo, se ele vai estar vestido?


JUREMA, colocando a máscara sobre a boca: - Não faça perguntas, apenas faça o que eu peço, sim?

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Texto 6

Esse texto saiu de um exercício de "texto dramático", onde não há a presença do narrador, apenas diálogos.

- Sente-se.

- Nossa, que séria.

- Pois é, a conversa vai ser séria mesmo. E eu vou ser direta. Eu sei por que você está fazendo tanta questão de reunir as duas famílias no natal, esse ano.

- Você fala de um jeito que parece até crime. Qual o problema em finalmente reunir nossas famílias na mesma festa?

- Ué, de repente teve amnésia? Já faz seis anos que nós alternamos as festas pois nem a sua, nem a minha família quer passar a noite de natal como convidados. Meus pais gostam de reunir os filhos e os netos na casa deles. Fazem muito de não implicarem comigo quando eu passo com a sua família, que não quer passar com a minha pelo mesmo motivo. Ah, Leonardo, sério mesmo que eu preciso explicar isso? Não, né? Que coisa.

- Sim, claro que eu sei, mas não custa tentar reunir todo mundo, eu acho. Vai ser a vida inteira assim? Ou lá ou cá? Mesmo quando a gente se casar? E quando vierem nossos filhos, vamos fazer como, cortar ao meio e dar metade para cada avó? Já sei, vamos torcer para virem gêmeos, assim a gente deixa um em cada casa. “Que coisa” digo eu, agora.

- Era justamente sobre isso que eu queria falar. Como eu disse, eu sei o porquê de você querer tanto essa festa com as duas famílias. Você vai me pedir em casamento durante a ceia, não vai?

- O quê?

- Não adianta, Leo. Larissa me contou tudo.

- Aquela vaca, linguaruda!

- Não fale assim da sua irmã. Não seja ridículo. Ela fez foi muito bem em me contar. Claro que ela pediu para que eu não a entregasse, prevendo essa sua reação patética, mas eu contei e você nem invente de pegar no pé dela. O problema agora é só entre nós.

- Problema, Bianca? Eu pedir você em casamento é um problema?

- Sim, dessa forma é.

- Que forma?

- Ou você é muito cínico ou muito egocêntrico.

- Ei! Que agressividade é essa?

- Ah, Leonardo, por favor! Você acha mesmo que não há problema algum em me colocar numa situação dessa? Aliás... Estou começando a achar que teve essa ideia justamente para me colocar numa posição difícil diante da minha e da sua família.

- Do que você está falando? Ficou maluca?

- Estou falando de você ter pensado em me pedir em casamento justo na noite de natal, com ambas famílias reunidas, pais, mães, irmãos, sobrinhos, todos, só para me colocar numa saia justa e eu me sentir coagida a aceitar. Claro! Imagino a avozinha toda comovida com você de joelhos me pedindo em casamento e eu recusando! Certamente eu ficaria como a bruxa da história. Você fez de caso pensado. Seu tratante.

- Meu Deus, Bianca! Que raiva toda é essa? E, espere um pouco, você recusaria? Ou melhor, vai recusar?

- Claro que sim!

- Mas por quê?! Não entendo! A gente se ama, estamos juntos há mais de cinco anos, nunca tivemos problema algum, sempre foi um namoro gostoso, inclusive nossos amigos sempre dizem que queriam ter uma relação sólida como a nossa! E agora vem você com essa. Assim, do nada!

- Não é do nada, não. Acontece que você alimenta essa ideia de casamento desde sei lá quando, talvez antes mesmo de me conhecer. Alguma vez você me perguntou o que eu pensava sobre isso?

- E precisava perguntar? Realmente, você nunca falou sobre casamento, mas também nunca se mostrou contra! E agora que eu também terminei a faculdade, é o próximo passo. Não?

- Aí é que está. Não é.

- Ah não?!

- Leo, me ouve. Tenho para mim que você alimenta essa vontade desde que se entendeu por homem, que percebeu o que é um relacionamento entre um casal. Provavelmente pela trajetória dos seus pais e até mesmo dos seus irmãos, você sempre quis o mesmo. Na sua cabeça existe uma ordem natural das coisas. Perde a virgindade. Formatura. Viagem para Porto Seguro. Faculdade. Cursa o que os pais escolheram ou segue a carreira do pai – o seu caso. Namora. Formatura. Assume o negócio da família. Noivado. Casa. Carro. Casamento. Gravidez. Enxoval em Miami. Filho. Casa na praia. Outro filho. Disney. Carro maior. Talvez um terceiro bebê. Comprar moto gigante para dar a volta no quarteirão no fim de semana. Talvez uma variação aqui ou ali, mas basicamente é esse o roteiro que você considera como o ideal para se sentir e, mais importante, se mostrar bem-sucedido para a sociedade. E aí, eu como a namorada, sou inserida nesse contexto, sem ao menos ser questionada. Você presumiu que eu tinha a mesma visão e pronto.

- Credo, Bianca. Eu acho que você deu uma exagerada. Eu pensei em fazer dessa forma por achar que iria ser romântico. Ok, você tem razão, eu nunca perguntei a você. Se bem que se perguntasse antes toda a magia do momento iria se perder.

- Pois então. Esse é o problema. Se tivesse perguntado, iria saber que eu não sou contra o casamento. Entretanto, eu acho que uma decisão dessa importância deve ser tomada em conjunto, não imposta. Tudo bem, existem pessoas por aí que matariam por uma situação como essa, serem pedidas em casamento como num conto de fadas. Só que eu nunca fui uma dessas pessoas. Aliás muito me espanta você não ter percebido isso.

- Pelo visto eu conheço menos você do que eu imaginava. Parece até outra pessoa. Engraçado que até então você nunca havia mostrado essa sua repulsa com relação ao romantismo.

- Você entendeu muito bem o que eu quis dizer, mas é claro que iria se portar dessa forma. Vai distorcer tudo o que eu disse e eu vou ficar como a vilã da história. Eu jamais fui contra o romantismo. Nosso namoro funcionou até aqui pois, mesmo eu sabendo desses seus planos de casamento, família, você nunca me pressionou. E eu gosto de você. O problema aqui é um só. É você ter decidido que o momento de ficarmos noivos é agora, sem saber o que eu penso, o que eu quero. É uma atitude egoísta e até mesmo ardilosa, me colocando numa sinuca de bico diante de todo mundo. Ainda bem que a Larissa se colocou no meu lugar e me avisou.

- E viva o Clube da Luluzinha!

- Ah, Leonardo, não seja cretino, por favor. Na verdade, a sua irmã fez um favor a você também. Sim, pois você estava tão certo de que eu iria aceitar seu pedido que nem cogitou como seria se eu dissesse não. Não foi? No constrangimento que seria para você, também, ter seu pedido recusado na frente de todos. Já imaginou a cara do seu pai? Pois então. Você tem mais é que agradecer à sua irmã.

- Tá, Bianca. E agora, como vai ser?

- Bom, embora você não tenha perguntado, assim como você eu também sempre tive meus planos pós formatura. Porém, eles são bem diferentes dos seus.

- E eu posso saber sobre eles? Aliás, você se formou há seis meses. Por que até agora não ouvi nada a respeito? Taí mais um motivo para achar que você queria a mesma coisa que eu.

- Eu não disse nada antes pois eu queria mesmo esperar até a sua formatura. Eu sabia que se dissesse algo antes você poderia até mesmo ter dificuldade em terminar sua monografia. Sei bem o quão difícil é o último semestre.

- Nossa. Que mistério. Confesso que estou ficando assustado com esses seus tais planos. Nem sei mais se quero saber quais são.

- Não há nada de assustador neles. Desde o segundo semestre eu comecei a juntar o dinheiro que seria para a formatura para poder usá-lo agora, depois de formada.

- Como assim? E a sua festa de formatura, quem pagou?

- Meu pai. Por mim eu nem participaria, no máximo como convidada de um dos meus amigos da sala. Só que quando eu disse ao meu pai ele fez questão de bancar, pois ele queria a festa. Única filha, valsa, colação de grau, roupas de gala, enfim, você conhece o velho.

- Então você aceitou o dinheiro dele. Quem diria.

- Acabei de explicar. Ele queria a festa. Foi mais por ele do que por mim. E qual o problema? Sim, eu sempre fiz o possível para me manter sem precisar dele e justamente por isso tive que escolher não participar da formatura, se quisesse ter dinheiro para o que pretendo fazer agora. Ele se ofereceu, eu aceitei. E fiz muito bem, pois a festa foi maravilhosa. Bom, você viu né, afinal estava lá.

- Tá, tá. Mas afinal, o que tanto você pretende fazer? Ainda não me disse.

- Eu pretendo, quero dizer, eu vou fazer uma viagem pelo Brasil. Especialmente pelo Nordeste. Se bem que com a grana que eu guardei, eu vou conseguir conhecer outras regiões e quem sabe até algum país vizinho. Quero ficar pelo menos uns três meses na estrada.

- Mas viajar, agora? Vai ser difícil para mim. Papai está doido para passar a empresa para eu comandar, não via a hora da minha formatura para se aposentar. Se eu disser a ele que vou fazer uma viagem, ainda mais de três meses, acho que ele surta. E outra coisa. Nordeste? Com esse dinheiro dá para conhecer vários países da Europa.

- Pronto. Lá vem. Além de todos os clichês, mais esse. Por que só Europa presta e seu próprio país não? Por que esse tom de desprezo quando disse “Nordeste”?

- Ah Bianca, não vai querer dizer agora que a Europa é feia e não vale a viagem?

- Eu jamais disse e jamais direi isso. Eu sonho em conhecer muitos lugares da Europa. E irei conhece-los. O que me incomoda é esse pensamento de que viajar pelo próprio país “não dá status”, por isso não vale nada. E antes de viajar para o exterior eu acho no mínimo mais sensato viajar pelo meu próprio país. Não me vejo indo para, sei lá, Grécia sem antes ter conhecido as praias nordestinas. O Brasil é tão vasto, tão diverso, com tantos atrativos, que não dá para não querer conhecer tudo. Mas... agora me dei conta. Como assim “vai ser difícil” para você? Acha que vamos juntos?

- Ué, não vamos? Como assim?! Você pensou em viajar sem mim? Com quem você vai viajar? Só falta me dizer que com a Larissa!

- Não, não é com ela. Nem com você. Eu vou sozinha.

- Sozinha?

- É, sozinha. Mesmo antes de saber dessa maluquice de pedido de casamento eu já havia decidido. Eu vou viajar sozinha.

- Mas Bianca, meu Deus! Então além de recusar meu pedido de casamento, vai terminar nosso namoro?! Então por que ficou comigo esse tempo todo? Fui um idiota útil?

- Não é nada disso, Leo. Eu gosto de você. Nosso namoro foi muito bom, fiquei com você por gostar de você, da gente juntos. E foi dando certo durante a faculdade pois nossas cabeças estavam focadas no mesmo objetivo, o fim do curso. Só que eu sabia que era só uma questão de tempo. Eu sabia que você não aceitaria fazer uma viagem desse tipo comigo. Eu sabia que você iria começar a pensar em casamento. Só que foi mais rápido do que eu imaginei. A minha intenção era conversar com você, depois dessa bagunça toda de fim de ano. Uma conversa só nossa, adulta. Mas aí você resolveu atropelar tudo que não teve outro jeito.

- Olha, eu confesso que nem sei mais o que dizer. Já vi que está decidida. Existe alguma coisa que eu possa fazer para que você mude de ideia?

- Não, Leo. Não existe.

- Sendo assim, melhor eu ir embora. Nem quero ver quando contar para meus pais. Eles adoram você.

- Sim, eu sei e também gosto muito deles. Gosto de toda a sua família, sempre me acolheram muito bem. E Leo, por favor, não vá infernizar a vida da Larissa, ok? Ela não fez por mal. Pelo contrário, fez pelo nosso bem.

- Que seja. Bom, se mudar de ideia, sei lá, sabe onde me encontrar.

- Sim, eu sei. Mas a gente não precisa se afastar por causa disso. Podemos continuar...

- Bianca, por favor, não. Não me peça isso. Uma coisa é eu ter que respeitar sua decisão, por mais absurda que eu a considere. Mas não pense que vamos virar melhores amigos. Para mim não vai ser simples assim. São mais de cinco anos juntos. Cinco anos de convivência, de amor, de carinho, de intimidade, de confiança e confidências. Cinco anos de planos, ainda que só da minha parte. Não dá para transformar tudo isso em passado assim, de uma hora para outra. Preciso de um tempo. Faça uma boa viagem. Espero que nada de ruim aconteça com você nessa sua aventura maluca. Viajar sozinha... E vamos deixar o tempo passar. Como diz a vó, “o futuro a Deus pertence”.

- Sim... Bom, então acho que é isso, não?

- É. Pelo menos por agora, é isso.

- Tudo bem então. Mande lembranças à sua família. Gostaria de poder me despedir deles pessoalmente, mas algo me diz que não vai ser uma boa ideia.

- De forma alguma. Só peço que me deixe contar para eles antes. Depois você pode ir visita-los, claro. Tenho certeza que isso não mudará o afeto que sentem por você. Sou eu que preciso de um espaço, de um tempo para digerir tudo isso. Bom, melhor eu ir agora.

- Ok, Leo. Também vou. Obrigado por tudo. Do fundo do coração. E espero que um dia entenda minha decisão.

- É, eu também espero poder entender tudo isso.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Texto 5

O motivo de eu ter ficado algumas semanas sem postar foi a falta de material mesmo. Começamos a estudar, no curso, a escrita teatral, as peças, desde Grécia antiga até contemporânea. Posso dizer que é a "área" com a qual eu menos me identifiquei. Simplesmente não sai nada. Cada exercício foi um parto e mesmo assim ficou horrível. Vou postar esse mais para não ficar tanto tempo sem nada por aqui. Espero que no último módulo do curso as coisas melhorem.
Bom, o exercício consistia em escrever um "diálogo ausente". Trata-se de uma conversa onde o leitor/espectador tem acesso a apenas um lado da conversa, tendo que imaginar, supor o outro. Um exemplo bem fácil para esse tipo de diálogo é uma conversa ao telefone. Você não ouve o que está sendo dito do outro lado da linha, mas pelas palavras e reações do personagem que você lê/assiste, é capaz de supor o que está sendo dito do outro lado. Às vezes isso pode ser usado num personagem que esteja delirando, por exemplo, falando consigo em voz alta. Eu usei um outro método, o de apenas suprimir as falas do outro interlocutor, o que só funciona mesmo na leitura, pois não seria possível esse texto numa encenação, já que claramente a outra pessoa está fisicamente presente no mesmo ambiente do personagem que fala. Eu disse que escrever para teatro não vai ser nunca a minha praia... Eis o (curto) texto:



"Entre, por favor. Fique à vontade.

Aceita um café, água?

Gelada ou natural?

Aqui está. Sente-se.

Confesso que sua mensagem me surpreendeu.

Porque não imaginei que fosse saber de você tão cedo.

Imagina, não teria motivos para não receber você. Embora não tenhamos terminado nos melhores termos, não é para tanto.

Estou bem, tudo indo na paz. E com você?

Que bom.

Ah sim, mas para quem não está difícil hoje em dia, não é? Mas enfim, você não me disse exatamente sobre o que quer conversar comigo.

Ah, você sabe que eu não gosto de rodeios.

Sim, eu também não gosto de conversas virtuais. Por isso estamos aqui agora.

Bom, se você diz... O que posso dizer é que para mim não só foi difícil, mas também surpreendente. Levar um pé na bunda de repente do jeito que foi, não é nada agradável.

Aí já uma questão de semântica. Se você prefere outra expressão, fique à vontade. Eu fico com ‘pé na bunda’ mesmo.

Se eu estivesse com raiva você não entraria mais na minha casa. Só que nem por isso eu vou fazer de conta que as coisas que aconteceram não aconteceram. Você disse que queria falar comigo. Embora eu imaginasse que fosse isso, resolvi pagar para ver. Vai que você tinha a intenção de se desculpar, pelo menos.

Percebo que continua a mesma pessoa. A culpa é de ambos? De onde você tirou isso?

Era só você ter me dito isso. Só que eu sei e você também sabe que isso não é verdade.

Acredite naquilo que te deixa com a consciência tranquila, só que eu não vou aceitar que você venha na minha casa e diga na minha cara que você pulou a cerca por que eu estava “diferente”. Ao menos tenha a decência de assumir.

Ah, tenha dó. Você vai mesmo me dizer que a carne é fraca?

O que eu já entendi é que você é uma pessoa covarde, mimada, egocêntrica e escrota. Aposto que pensou que eu iria ficar correndo atrás de você, implorando por uma reconciliação. Quando viu que eu liguei o foda-se, ficou com o ego ferido e me procurou. Tentando reverter o jogo e fazer com que eu sinta a culpa. Perdeu tempo.

Se eu estou com outra pessoa, isso é problema meu e dessa eventual outra pessoa. Não existe nenhuma razão para eu dar satisfações da minha vida a você.

Pelo visto vai continuar com esse cinismo. “Nossa história”. Aliás, agora é só isso mesmo, história. Eu honestamente achei que pudéssemos ter o mínimo de convivência respeitosa, mas vejo que não será possível. E agora vou pedir para você ir embora. Não tenho mais nada para lhe dizer e ainda que você tenha, confesso que não quero ouvir.

Descer com você? Não precisa. Só chamar o elevador, apertar o zero até o térreo e sair por onde entrou. Caso o porteiro não esteja lá, interfone que eu abro o portão por aqui.

Ótimo. E por favor, nunca mais me procure. Espero nunca mais saber de você e desse seu ego tóxico. Vocês não são mais bem-vindos aqui. Passar bem."