segunda-feira, 15 de julho de 2013

Viajar sozinho. Qual a graça?

     Desde que voltei da minha última viagem, estou com essa necessidade de escrever aqui. Geralmente, sempre que estou longe de casa, conforme as coisas vão acontecendo eu fico pensando "isso aqui vai pro blog", "essa situação rende um post legal" mas, aí, quando chego em casa e retomo a rotina, tenho a impressão que as palavras se esvaem, o tesão em compartilhar o que aconteceu diminui, o 'frescor' da novidade já não é tão fresco assim. Talvez, para evitar que isso aconteça mais uma vez, cá estou eu.

     Há uma semana estava em Montevideo, capital uruguaia. Era um destino que entrou na minha lista depois que conheci Buenos Aires. Acredito que muitas pessoas enxergam ambas capitais como cidades quase que idênticas - eu incluído - e, como Buenos Aires é bem maior, mais famosa, normal que lá seja visitada primeiro, mesmo que geograficamente Montevideo fique bem mais próxima, no meio do caminho. Não, não é ignorância considerar as cidades parecidas, pois elas são, sim. Claro que guardadas todas as proporções, mas torna-se inevitável não pensar numa quando se está em outra - desde que já conheça ambas, claro. O idioma é o mesmo, a moeda tem o mesmo nome (só se altera o gentílico), a paixão pela carne assada e pelas papas fritas também é compartilhada; até as bandeiras são parecidíssimas. Mas, claro, as diferenças existem. Se eu cheguei em solo uruguaio pronto para fazer comparações a cada metro caminhado, voltei pra casa ciente dessas diferenças, coisa que me fez apreciar ainda mais minha estadia em Montevideo.

     Montevideo é menor e, consequentemente, mais tranquila, com um trânsito mais calmo - embora eles adorem uma buzina. Confesso que não me lembro como era em Buenos Aires, mas em MVD eles param para o pedestre que pretende atravessar na faixa, desde que a travessia não tenha semáforo, claro. Eu mesmo constatei isso, numa avenida de quatro faixas; quando parei na calçada, em frente à faixa de pedestres, todos os carros que se aproximavam pararam. Detalhe: eu era a única pessoa ali. Uns dez carros pararam para que eu cruzasse a avenida. Mais do que educação, acho que se trata da tão rara empatia. Poderia ser um deles ali, tentando atravessar uma via movimentada sem semáforo. Enfim, ponto para os montevideanos. Com relação às pessoas, a minha impressão foi a de que os uruguaios são mais simpáticos do que seus vizinhos ao sul. Veja bem, não estou dizendo que os argentinos são escrotos como os brasileiros adoram dizer. São pessoas agradabilíssimas, porém mais contidas, mais reservadas do que os uruguaios. Não que estes sejam 'calorosos' como são nossos conterrâneos do nordeste - se é que existe povo mais hospitaleiro, amável e gentil do que os nordestinos; digamos que, assim como geograficamente, a personalidade uruguaia está no meio do caminho entre o entusiasmo brasileiro e a 'sobriedade' argentina (sim, pois numa coisa tenho que concordar: como argentino bêbado é chato!). 

     Bom, creio que tais coisas sejam melhor entendidas e percebidas para quem se dedica a visitar ambos lugares. De nada adianta eu querer traçar os perfis de nossos vizinhos, por várias razões: primeiro, não conheço os países por inteiro, apenas estive alguns dias em suas capitais; segundo, a idiossincrasia jamais vai permitir que essa ou aquela pessoa seja definida, mesmo que certos padrões existam, afinal cada um interpreta o que está ao seu redor a sua própria maneira; terceiro, não é essa a minha intenção com esse texto.

     Abri o site para postar algo sobre os prazeres de viajar sozinho. Acabei sendo displicente, deixei as palavras livres para seguirem seu rumo, acabei que ainda nem comecei a falar sobre o que queria inicialmente. Correndo o risco de deixar o texto confuso, 'nonsense', vou deixar rolar, usar o quanto menos o 'backspace'. Vamos ver onde isso vai parar.

     Hoje de manhã eu me deparei com esse texto e, aí, me dei conta do porquê ter voltado pra casa tão satisfeito com essa minha última viagem. Não foi Montevideo em particular quem me causou essa sensação gostosa, mas a retomada de uma prática que, sem perceber, eu estava deixando de lado. Me refiro a viajar sozinho. A última viagem que havia feito nesses moldes - ir sozinho para um lugar novo - foi há mais de um ano, justamente para Buenos Aires. Depois dela, viajei algumas vezes com meus amigos ou acabei conhecendo outras pessoas na estrada. Claro que é desnecessário dizer que isso não é uma queixa; ao contrário, pra mim é motivo de orgulho, saber que viajo sozinho por opção, não por solidão.

     Em Montevideo foi como uma volta às origens. Organizei tudo sozinho, dentro do meu orçamento, do meu tempo livre, dos lugares que queria conhecer, das coisas que queria provar. Todo e cada detalhe, sem qualquer intermediário. Para alguns, isso pode se traduzir em transtorno, confusão, dúvidas, embarcar numa "furada"; pra mim, é um prazer; o tesão da viagem começa na organização da mesma. 

     Poder andar em qualquer direção, fazendo o caminho mais longo para poder ver uma nova paisagem, caminhar ou ir de ônibus, comer onde e quando der vontade, me perder, sair e voltar sem qualquer compromisso, ser dono das 24 horas do meu dia, é isso que me encanta em viajar 'solo'. Claro que existem os pontos que faço questão de visitar, os "must see", considerados turísticos até o talo; mas pra mim a experiência vai além deles. Uma coisa é você pegar um táxi para ir até o 'museu x', outra é você ir caminhando até ele. Óbvio que em algumas situações isso se faz necessário - tempo exíguo ou vizinhança perigosa - mas gosto de me infiltrar no meio dos locais, me locomover como eles se locomovem e, também, apreciar as novas imagens que cada passo traz para dentro do meu cérebro. Cada esquina dobrada é uma nova informação absorvida. Um construção antiga que destoa das suas vizinhas, um nome de rua que, por conta das peculiaridades do idioma, soa engraçada, um cheiro novo, um som inédito - seja de uma música ou de um sotaque - os gestos, as vestes. Tudo é novo, tudo é estímulo para a memória, tudo vai servir para, no final, construir o retrato completo dos dias em que ali estive.

     Sempre que toco nesse assunto, torna-se inevitável não mencionar como algumas pessoas ainda reagem com espanto com relação a essa minha prática. Não quero aqui fazer juízo de valor. Cada um que pense o que quiser sobre tudo e sobre todos. Porém, também não consigo entender o porquê viajar sozinho ainda causa essa reação nas pessoas. Vou além. Não é só viajar, mas ir ao cinema, praticar exercícios, enfim, tantas coisas que podem, sim, ser feitas sem companhia, que a mim resta acreditar que os que se espantam com tudo isso, o fazem pois nunca experimentaram. Já cheguei a ouvir casos de pessoas que não conseguem nem ficar acordadas sozinhas, que acordam quem está na mesma cama só para poderem dormir antes - nesse caso, a partir desse gesto, a pessoa que me acordou passaria a fazer tudo sozinha...

     Enquanto voltava para casa nessa última vez, fiz um retrospecto dos dias que passei em solo uruguaio. Como Montevideo é uma cidade pequena, pude, com apenas quatro dias livres, conhecer todos os lugares que planejei, tendo voltado para alguns que havia gostado. No primeiro dia eu caminhei mais de vinte quilômetros; não usei qualquer outro meio de transporte que não fosse minhas pernas e pés. E como isso me satisfez... Graças a isso, andar de ônibus nos dias seguintes tornou-se algo muito fácil, pois já era capaz de reconhecer o caminho (vai me colocar num ônibus em São Paulo pra ver se eu consigo me virar?). Embora tivesse um mapa sempre comigo, evitava olhar toda hora para ele, testando a memória, meu "gps" interno; claro que, por conta disso, me perdi, mas nada grave, apenas algumas quadras além do local onde deveria ter chegado.

     Creio eu que esse encantamento tem muito a ver com a rotina, as obrigações da vida adulta. Por mais que nos proclamemos independentes, com nossos empregos, nossas finanças que nos permitem, vez ou outra, bancarmos nossos luxos, nossos prazeres, é raro nos sentirmos realmente livres. Temos horários a cumprir, compromissos a honrar, economias a fazer, obrigações que, embora nos limitem, são - infelizmente - necessárias.

     Perguntaram se fiz amizades na viagem, seja no hotel, ou mesmo na rua. A estes, respondi apenas "não". Mas aí, me dei conta de que não só não fiz amizades, como em nenhum momento pensei nisso, não quis a companhia de ninguém, não fiz questão nenhuma de puxar papo com alguém e, mais importante, como isso não me fez falta. Se eu não me conhecesse como me conheço, diria que tenho sérios problemas de socialização. Porém - e é aí que a coisa fica interessante - não é nada disso. Sou uma criatura muito sociável, mas apenas quando quero, quando o outro me desperta interessa, vontade de ter por perto. Não socializo por necessidade. Por essas e outras posso dizer que levo ao pé da letra a famosa frase "antes só do que mal-acompanhado". É bem por aí. Mil vezes eu com meus pensamentos...

     Voltando ao texto que mencionei ali em cima, ele diz que, entre várias outras coisas interessantes, viajar sozinho ajuda - e muito - no autoconhecimento. Eu não poderia concordar mais. Sem dúvida, ficar sozinho por um período possibilita que nos conheçamos de uma forma que nenhuma outra pessoa o faça. Parece óbvio, deve estar achando - afinal, quem melhor nos conhece do que nós mesmos? - mas pessoas sem personalidade estão aos baldes por aí. São pessoas que, de tanto viver na dependência de outra, acabam perdendo sua essência, tornam-se um arremedo do outro. Não tem mais a música, o prato, o gênero de filme, a cor, o comprimento do cabelo preferidos. Tudo foi moldado no gosto do outro, seja por oposição ou por uma busca desenfreada em agradar; agradar o outro, jamais a si mesmo. Às vezes eu vejo isso nessas pessoas que dizem não se imaginam sozinhas, um desespero de não saber o que fazer numa situação dessas; e aqui não me refiro apenas a viajar, mas a qualquer outra coisa. A pessoa perde todas as suas referências, pois elas passam a ser, todas, as da outra pessoa; a sua referência passa a ser uma só: o outro.

     Ao longo da vida, são necessárias escolhas, concessões, deixar algo de lado a fim de obter outra coisa. São raríssimos os momentos onde é possível que tudo saia do jeito que a gente quer. Claro que existem os imprevistos, os atrasos, a natureza, coisas que podem impedir que, mesmo estando sozinho e tendo o poder de decisão todo nas suas mãos, nem tudo saia da forma como gostaria que saísse. Mas, ainda assim, ser capaz de proporcionar a si mesmo essa possibilidade, já é uma conquista.

     Hoje eu posso dizer que viajar tornou-se a definição de quem sou eu. Todas as pessoas tem - ou deveriam ter - a sua paixão, a sua "coisa", aquilo que prende sua atenção por horas a fio, sobre o quê pode ler textos imensos sem perder o interesse, que pode render conversas longas e entusiasmadas. E essa paixão, essa felicidade, pode ser tanta coisa... O importante é que cada um seja capaz, tenha a oportunidade de conhecer qual é a sua felicidade. Feito isso, que todos tenham coragem de viver essa felicidade.

     Ter viajado sozinho, para um lugar novo, depois de tantos meses, foi uma espécie de reencontro. Sim, eu também estou achando estranho tudo isso. Afinal, não é a primeira vez, já tenho uma certa experiência no assunto. E o mais curioso é que nem se trata de um drama existencial do tipo "oh, eu precisava ficar sozinho e colocar minha cabeça em ordem"; já estava tudo em ordem antes de eu viajar. Foi como eu disse no início do texto (e esse é um sinal de que está na hora de encerrar), foi uma retomada, um resgate. Voltei renovado, leve, talvez ciente de que algumas atitudes anteriores, algumas renúncias, foram necessárias. Uma sensação de que, embora vez ou outra as coisas pareçam fora de rumo, a essência está presente, e basta uma ajeitada aqui, um planejamento ali, um pouco de paciência acolá e, voilá, as coisas acontecem, fluem...

    Uau. Fazia tempo que não digitava tanto. Logo eu, que gosto tanto de escrever...

     Impressão minha, ou trata-se de mais um reencontro? 

     ;)