quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

365 dias sem fumar. Pois é.

            Antes de qualquer coisa, quero dizer que esse texto não é um pedido de confetes, aplausos. A minha intenção é apenas compartilhar a experiência, pois tenho muitos amigos que fumam e vários deles já manifestaram a vontade de parar. Se eu consegui, eles também podem fazê-lo.

            Para quem está chegando agora, eu fumei por dezessete anos. Embora eu não me considerasse um fumante compulsivo – uma maço durava em média três dias, sendo que já ouvi pessoas que fumam dois, até três inteiros num dia só – eu sabia que era um viciado, sim.
           
            A primeira vez que tive vontade de parar eu tinha, acho, uns vinte e três anos. Na época, consegui ficar quatro meses sem cigarro. Porém, justamente por ter ficado esse tempo sem fumar, eu me achava capaz de voltar e parar quando bem entendesse, por isso acabei voltando, crente de que pararia quando me desse na telha. Até parece...

            Depois disso, fiquei um tempão achando lindo fumar, sem pensar em parar por um longo período. Até que algumas coisas começaram a me incomodar.
           
            Primeiro, meu comportamento. Por conta da lei anti-fumo, que pegou legal em São Paulo – posteriormente no resto do país – as coisas começaram a ficar mais complicadas. Para todo lugar que eu fosse, em primeiro lugar eu precisava me certificar se haveria um espaço disponível pra eu fumar, sem embaraços. Se era um lugar que eu já conhecia, antes mesmo de sair de casa eu já fazia uma ‘logística’ de onde pegar mesa, para ficar mais fácil a saidinha do tabaco. Em viagens, eu sempre incluía no meu planejamento de deslocamento a paradinha do cigarro; eu checava se daria tempo de chegar na rodoviária e fumar um antes de ir pro aeroporto e, depois, se eu teria tempo de fumar alguns antes de embarcar – já cheguei a embarcar de estômago vazio, pois ou eu comia ou eu fumava. Acabei fumando. Depois de muito tempo nessa fissura, isso começou a me incomodar. Sentir-me dominado pelo cigarro fez eu rever alguns conceitos.

            Segundo, minha crescente hipocondria. Não sei exatamente quando ou por que isso começou, mas aos poucos eu fui ficando cismado com qualquer sintoma besta que surgisse no meu organismo – creio que já era a consciência pesando. E tudo, claro, era culpa do cigarro. Eu já tive crise de stress, achei que era infarto. Um pequeno inchaço na língua já se tornou câncer de boca. Falta de ar por conta da vida sedentária que levava? Câncer de pulmão. Até colonoscopia eu cheguei a fazer – claro que deu limpa. Ou seja, eu estava me irritando com tanta paranóia. Eu decidi que precisava mudar.

            Porém, ao contrário do que possa parecer, não é fácil. Ah, mas não é mesmo. Se você tem alguém próximo que diz tentar parar mas não consegue, no lugar de criticar a pessoa e chamá-la de fraca, talvez devesse dar uma apoio moral. Pois, olha, é foda.

            Por várias vezes eu jurei pra mim mesmo que aquele maço seria o último, que assim que acabasse eu não compraria mais. Eu costumava comprar aqueles pacotes com dez maços e, assim que notava que ainda faltavam dois fechados, já ia comprar mais um novinho. Quando eu decidi não comprar mais o pacote, me vi caçando bares abertos para poder comprar mais um maço – aí, claro, comprava logo dois. E viajando? Nossa, que fixação... Assim que eu notava que ainda restavam uns cinco, já começava a ficar impaciente para comprar logo mais um maço. Vai que acaba no meio da noite e tá tudo fechado? Era uma “sofrência” só. Eu podia não ter o que comer na mochila, mas o cigarro tinha que estar lá. Por conta disso eu ensaiei inúmeras vezes parar, muitas mesmo.

            A segunda vez que eu consegui ficar um tempo sem cigarro foi justamente na época do tal exame que mencionei ali em cima. Caramba, eu iria fazer um exame totalmente e literalmente invasivo, constrangedor – e caro! – por conta de uns medos que eu pus na cabeça, medos estes por conta do cigarro, mas iria continuar fumando? Nem pensar! Parei. Por dois meses.

            Exatamente no 60º dia sem cigarro minhas férias começaram. Como eu iria ficar sem fumar no aeroporto? (Eu chegava bem cedo de propósito só pra ficar fumando naquela muretinha de Guarulhos...). Antes mesmo de sair de casa, comprei os maços e lá ia eu começar tudo de novo... Fumei as férias inteiras - foi justamente naquele ano que emendei férias com recesso - fiquei quase dois meses fora de casa, entre idas e vindas. Sempre fumando. Mas...
           
            Ainda durante a viagem, eu não me sentia totalmente satisfeito com o fato de ter voltado a fumar. Não era apenas a sensação de ter fracassado – de novo – mas outras sensações. Quem fuma não sente o cheiro do cigarro na roupa, no carro, no hálito. Acreditem, é assim. Porém, talvez por conta dessa pausa de dois meses, eu comecei a ficar meio incomodado – mas isso não me fez parar de imediato.

            Quando minhas férias acabaram, eu continuava com essa sensação de derrota por ter sucumbido ao vício de novo, bem como me lembrava todos os dias das minhas paranóias por conta do cigarro. Foi aí que, mais uma vez, eu resolvi que aquele maço seria o último.

            E no dia 08/01/2014 eu fumei aquele que veio a ser o meu último cigarro.

            Por que esperei um ano para falar sobre isso? Por dois motivos. O primeiro é o meu quase TOC. Um ano é um ano, ciclo perfeito, redondo, completo. Tem graça alguma coisa “quebrada”, tipo, “hoje faz 273 dias que eu...”. Não tem. O segundo motivo é que eu não tinha segurança se iria conseguir completar um ano. E eu acho patético a pessoa que, por exemplo, fica um fim de semana sem beber e sai postando “Foco! Eu sou mais eu! Deus é mais!”, para daí, na semana seguinte, estar dormindo debaixo do orelhão. Eu precisava ter certeza. Nesse tempo eu passei incólume pelo carnaval de rua do Rio (só aí já dava pra ter certeza que eu estava limpo de vez), viagens para a praia, aeroportos, incontáveis cervejinhas com os amigos – e quem fuma sabe que a cerveja chaaaaaaaaaamaaaaaaaa o cigarro – até mesmo sair na companhia de outros fumantes. Talvez eu nem precisasse esperar um ano para comemorar. Mas eu sou sistemático, logo, as coisas tem que ser ‘redondinhas’ para mim.

            Mas, afinal, o quão difícil foi parar? Será que é tão forte assim a abstinência? Vou contar como foi para mim.

            Como disse anteriormente, eu não fui o que se pode considerar uma chaminé ambulante. Cheguei a ouvir pessoas dizerem que, antes mesmo do meio-dia, já haviam consumido um maço. Nem nos meus ataques de ansiedade mais profundos, nem nos meus porres mais homéricos eu consegui fumar tanto. Mas ainda assim, eu sofri. Ah, sofri. Jamais vou me esquecer do nono dia sem cigarro. Sim, porque funciona igual com os viciados noutras substâncias: “hoje, não”. Um dia de cada vez. Uma das características do vício em cigarro é a rotina que se cria em torno dele. Explico.

            Existiam alguns momentos do dia em que fumar era mandatório, sagrado. Antes de ir trabalhar. Depois de almoçar. Assim que chegava em casa do trabalho, antes mesmo de tomar banho ou qualquer outra coisa. Bebendo cerveja. O efeito dominó numa rodinha de fumantes – um acende e todos os outros acendem na sequência. Pra tentar aproximar a sensação daqueles que nunca fumaram, pensem vocês em chupar uma manga e não passar fio dental; sentir o pernilongo te picar e não poder coçar; ouvir uma torneira pingando e não poder fechá-la; sentir a etiqueta cutucando e não poder cortá-la; comer apenas um Bis. Dá pra se concentrar em outra coisa? Dá pra deixar quieta essa sensação de “eu preciso fazer”? Não, não dá. E com o cigarro é por esse caminho. Só que com maior intensidade. Bem maior.

            Por conta disso, os primeiros dias foram terríveis, pois era como se eu estivesse me autossabotando, me impedindo de fazer algo que eu gosto – como assim, eu sou livre e independente! Faço o que quero da minha vida!

            Pois então. Eu quase surtei. Juro que eu quase chorei. Mal conseguia trabalhar. Só pensava na hora em que iria embora e não teria um cigarro pra fumar. Foi terrível!

            Entretanto, passei por esse tormento firme no meu propósito.

            O que me ajudou? Bom, primeiro foi a força de vontade. Clichê dos clichês, mas verdadeiríssimo. Lamento informar, mas chiclete, adesivo, cigarro elétrico, nenhuma dessas porcarias funcionam. E sabem por quê? Porque isso é transferir para essas traquitanas a responsabilidade que é só do fumante. Se a pessoa começa a usar os adesivos de nicotina, por exemplo, e fica uns dias sem fumar mas logo volta, ela não vai se sentir fracassada – como eu me senti – pois ela “não tem culpa se o adesivo não presta”. Posso dizer que o que teve algum impacto (pequeno) em mim foram duas coisas: a lei anti-fumo de SP que limitou e muito os espaços para os fumantes e, sim, as matérias do Dr. Dráuzio Varella no Fantástico. Mas mais do que isso tudo, o que deu uma força mesmo foi começar a frequentar a academia, coisa que fiz dias depois de ter fumado meu último cigarro. Como eu nunca tinha feito antes, essa mudança brusca de rotina facilitou muito desvencilhar velhos hábitos do cigarro e, além disso, não tinha sentido algum eu buscar uma rotina mais saudável mas continuar fumando. Então, no meu caso, é verdade: atividade física ajuda a ficar sem fumar, sim. *Aquelas fotos nos maços de cigarro nunca funcionaram. E a patrulha, o povo CHATO PRA CARALHOOOOOOOOOOOO que ficava de mi mi mi quando acendia um cigarro, tinha o efeito contrário. Se você faz parte dessa turma, escute a voz de quem já esteve do lado de lá: quanto mais você ficar resmungando do cheiro do cigarro perto de você (numa balada ao ar livre, por exemplo) mais questão de soprar a fumaça na sua cara o fumante vai fazer. Fica a dica.

            O que mudou nesse um ano sem cigarro? Confesso que não é o paraíso sensorial que eu achei que seria, mas rolaram algumas poucas melhoras (pois é, lamento decepcioná-los). O paladar não teve uma melhora muito significativa; ou sempre foi ruim, ou um ano ainda não é prazo para que ele melhore. Já o olfato, esse mudou bastante. Hoje eu sinto longe (#nazarétedesco) o cheiro de cigarro. Antes eu custava a perceber que minhas roupas estavam cheirando a fumaça. Também achava um absurdo as pessoas “adivinharem” que eu havia acabado de fumar, afinal eu estava com um Hall’s na boca... Nada. Hoje eu também sou capaz de sentir esse cheiro de pós-fumo. É forte mesmo. E o beijo na boca? Sempre achei um exagero dizerem que beijar alguém que fuma é como beijar um cinzeiro. Quando ouvia isso ficava até ultrajado. Pois bem, paguei – lindamente – a minha língua. De lá pra cá passei por algumas situações como essa e, realmente, o gosto vem com força. Aos amigos fumantes que pensam como eu pensava, eu vos digo: não adianta bala, chiclete, Listerine, o cheiro vem de dentro, do âmago. Quanto maior a “ofegância” do beijo, maior a intensidade do gosto que sobe. Na dúvida, beije alguém que também fume.

            Ah sim, que fique claro que eu não me tornei da patrulha CHATAAAAAAAAA anti-fumo. Saio com meus amigos que fumam e, até pouco tempo atrás, quando ainda existia, preferia a área de fumantes – são muito mais divertidos, sim! Apenas estou expondo minha opinião sobre o “lado de cá”. Entretanto isso não significa que eu sinta falta e muito menos que esteja pensando em voltar. Definitivamente, desse vício eu me libertei.

            Bom, vamos às considerações finais. Se você quer parar de fumar, pare. Resista, mude sua rotina, beba muita água (outro clichê que não é clichê, after all), separe o dinheiro do cigarro num cofrinho – a economia é boa – se não quer fazer academia, procure algo de novo pra fazer, de preferência algo que te tire de casa e ocupe seu corpo e mente. Faça o que puder, mas não caia na armadilha de transferir essa responsabilidade para outras coisas/pessoas. Eu só consegui parar quando reconheci que o cigarro me controlava (ok, você que é fumante convicto, se chegou até aqui, vai revirar os olhos com essas minhas palavras; sei disso pois já fui desse jeito, super entendo...). Se você não fuma e quer que alguém próximo pare, você pode fazer o seguinte: rezar/torcer/esperar. Não seja patrulha. NÃO ADIANTA. Você corre o risco de entrar em sérias discussões e mal-estares. Vai por mim. Ninguém é capaz de convencer o fumante a parar, a não ser ele mesmo. Ok, um profissional da saúde pode conseguir também, mas nunca um ‘leigo’. Já conheci vários ex-fumantes e nenhum deles me disse que parou por causa do pedido de outra pessoa. Todos, sem exceção, pararam porque acharam que tinham que parar, porque queriam parar – eu incluído.
           
          Antes de terminar, aproveito para me desculpar e ao mesmo tempo agradecer todos aqueles que suportaram meu vício por tanto tempo. Hoje eu percebo o quanto eu incomodei vocês todos com minhas baforadas, mas nunca me reprimiram, me isolaram, me deram bronca por causa disso. Mesmo muitas vezes eu não respeitando o espaço de vocês - porque tantas outras vezes eu me afastava um pouco pra fumar, vai - vocês sempre respeitaram o meu. Que bom que foram pacientes. Finalmente estamos todos livres. ;)


            Enfim, acho que é isso. Melhor do que completar 365 dias sem fumar é perceber que eu não sinto mais falta nenhuma do dito cujo, sem precisar me privar da companhia de amigos, de sair, de beber, de nada. Pois o verdadeiro desafio é esse, manter a sua convicção, no meio da tentação – a qual hoje nem me tenta mais. Nem um pouco. Graças!