quinta-feira, 3 de março de 2016

Corri na chuva

Depois de um longo hiato, decidi voltar a correr, essa semana. De todas as atividades físicas que experimentei, corrida foi a única que me agradou. Claro que isso não significa que virei maratonista, mas que vez ou outra sinto falta e resolvo voltar; já tive vários retornos. Será que agora fico firme? Anyway...

Hoje, ao olhar pela janela do quarto, notei que havia chovido durante a noite (eram seis e meia da manhã) e que o céu continuava cinza; mas eu estava disposto e fui mesmo assim. Acreditei que o tempo havia firmado e não choveria mais. Só que choveu.

Quando eu já estava na metade do exercício (consigo correr uns cinco quilômetros, em três turnos, digamos assim, alternando com caminhada), os pingos começaram a cair. Várias pessoas estava no parque, caminhando, correndo ou fazendo ioga. No princípio, pingos finos, uma garoa, De repente deu aquela engrossada; porém era uma chuva tranquila, sem vento, tampouco raios e trovões. Pensei: "e agora?". Aí me lembrei de uma amiga que uma vez mencionou que adorava correr na chuva. Então, ponderei. Se eu estava no meio do exercício, já suado e, caso resolvesse ir embora tomaria chuva do mesmo jeito, uma vez que o parque fica a quinze minutos de caminhada do apartamento que diferença iria fazer? Fiquei e continuei a correr.

Com o aumento da intensidade da chuva, todos os frequentadores do parque debandaram - ficamos eu e mais dois outros, apenas. Mulheres correndo, protegendo a cabeça da água. Gente, por favor. Como eu disse e repito, não era uma chuva torrencial, uma tempestade, mas uma chuva que eu me atrevo a chamar de perfeita. Proteger o cabelo? Depois de uma atividade física onde você SUA? Enfim, cada um sabe de si, as que eu achei o cúmulo da frescura, achei.

Minha única preocupação no momento era meu aparelho de MP3; não queria que molhasse, mas também não queria correr sem música - fiz isso uma vez e achei deveras deprimente. Só que não tinha escolha, ou continuava correndo sem música ou ia embora, Escondi o MP3 debaixo da roupa (eu sempre vou com aqueles chamados "money belt! por baixo do short, para guardar minha chave e um documento; sim, até para correr eu levo uma identificação, vai que eu morro e sou enterrado como indigente?) e torci para que não molhasse.

E aí a mágica aconteceu. Embora na minha infância eu tenha tomado muita chuva - a turma do bairro adorava isso, brincar na chuva; uma vez jogamos a melhor partida de taco da nossa infância debaixo de chuva - fazia MUITO tempo que eu não experimentava a sensação. Correndo, então, foi algo inédito. Como eu suo muito, especialmente no rosto, correr com chuva desfez esse incômodo (eu corro com uma toalhinha para enxugar o suor, que é abundante, acredite); manter o boné na cabeça é bom, pois a aba protege os olhos dos pingos da chuva que, sim, atrapalham. . Ok, os tênis ficam encharcados rapidinho, mas com a temperatura que temos aqui em Ribeirão, não há nada que não seque a contento - só espero que nenhum cheiro permaneça neles...

Correr sem música não foi tão ruim dessa vez. Não que eu vá fazer isso sempre, pois eu acho que só não foi deprimente por conta do barulho da chuva, da ausência de pessoas e dos sons dos pássaros. Sim, dos pássaros.

Não sei se foi por causa da chuva ou pela debandada de humanos, mas assim que a água começou a cair, os pássaros que ali vivem saíram das suas tocas e começaram a tomar conta do parque. Pombas (não aquelas urbanas, sujas, nojentas, deformadas, mas as tais rolinhas), quero-queros (será que esse plural tá certo?) e mais um ou outra espécies cujos nomes desconheço, todas ali, na grama ou no asfalto mesmo. Uma das tais pombas pousou sobre um filete de água que escorria no meio da pista, eriçou suas penas e ficou ali, tomando seu banho, sempre olhando pra mim quando eu passava por ela. Também vi um filhote de quero-quero que resolveu sair dar uma volta, sempre acompanhado da mãe; era tão pequeno, ainda na penugem, com dois gravetos no lugar de pernas, mas todo serelepe, como que descobrindo o mundo. Um passarinho que voou perto do filhote foi imediatamente rechaçado pela mãe, que não pensou duas vezes e voou pra cima dele. A impressão que tive foi mesmo que eles saíram das suas tocas mais pela ausência de humanos do que pela chuva. Sabe aquela visita chata que chega sem avisar e você se isola no quarto para não ter que lidar com? Acho que é assim que os passarinhos se sentem quando nós humanos - as visitas indesejadas - chegamos ao parque. 

Dizem que animais têm uns sentidos mais aguçados, até preveem tragédias; como eu continuei ali correndo, mas a minha presença não os impediu de saírem da toca, devo concluir que tenho uma boa aura, sou "do bem" - pelo menos para o reino animal.

Pena que a chuva não durou muito, menos de dez minutos. Entretanto foi uma experiência muito boa. Mesmo sabendo que estava no meio da cidade, em plena área urbana, aqueles minutos ali no parque (é uma pedreira desativada - dizem - então a pista fica no que antes era uma espécie de cratera, ou seja, mal se enxerga a cidade, os prédios, apenas aviões e helicópteros que de vez em quanto ali sobrevoam) me deram uma sensação de ter sido transportado para outro lugar. Sei lá, viagem minha talvez, mas foi muito interessante. Foi como se eu tivesse viajado para longe, numa dessas tantas viagens que já fiz Brasil adentro.

Se há dois anos alguém me dissesse que em breve eu estaria morando em Ribeirão Preto, acordando antes das sete da manhã sem despertador, e correndo na chuva, eu certamente riria e chamaria a pessoa de maluca. Pois é. A gente não sabe de nada mesmo. Só que vai morrer, claro. Sendo assim, antes de morrer, vamos viver?