terça-feira, 11 de outubro de 2016

Texto 6

Esse texto saiu de um exercício de "texto dramático", onde não há a presença do narrador, apenas diálogos.

- Sente-se.

- Nossa, que séria.

- Pois é, a conversa vai ser séria mesmo. E eu vou ser direta. Eu sei por que você está fazendo tanta questão de reunir as duas famílias no natal, esse ano.

- Você fala de um jeito que parece até crime. Qual o problema em finalmente reunir nossas famílias na mesma festa?

- Ué, de repente teve amnésia? Já faz seis anos que nós alternamos as festas pois nem a sua, nem a minha família quer passar a noite de natal como convidados. Meus pais gostam de reunir os filhos e os netos na casa deles. Fazem muito de não implicarem comigo quando eu passo com a sua família, que não quer passar com a minha pelo mesmo motivo. Ah, Leonardo, sério mesmo que eu preciso explicar isso? Não, né? Que coisa.

- Sim, claro que eu sei, mas não custa tentar reunir todo mundo, eu acho. Vai ser a vida inteira assim? Ou lá ou cá? Mesmo quando a gente se casar? E quando vierem nossos filhos, vamos fazer como, cortar ao meio e dar metade para cada avó? Já sei, vamos torcer para virem gêmeos, assim a gente deixa um em cada casa. “Que coisa” digo eu, agora.

- Era justamente sobre isso que eu queria falar. Como eu disse, eu sei o porquê de você querer tanto essa festa com as duas famílias. Você vai me pedir em casamento durante a ceia, não vai?

- O quê?

- Não adianta, Leo. Larissa me contou tudo.

- Aquela vaca, linguaruda!

- Não fale assim da sua irmã. Não seja ridículo. Ela fez foi muito bem em me contar. Claro que ela pediu para que eu não a entregasse, prevendo essa sua reação patética, mas eu contei e você nem invente de pegar no pé dela. O problema agora é só entre nós.

- Problema, Bianca? Eu pedir você em casamento é um problema?

- Sim, dessa forma é.

- Que forma?

- Ou você é muito cínico ou muito egocêntrico.

- Ei! Que agressividade é essa?

- Ah, Leonardo, por favor! Você acha mesmo que não há problema algum em me colocar numa situação dessa? Aliás... Estou começando a achar que teve essa ideia justamente para me colocar numa posição difícil diante da minha e da sua família.

- Do que você está falando? Ficou maluca?

- Estou falando de você ter pensado em me pedir em casamento justo na noite de natal, com ambas famílias reunidas, pais, mães, irmãos, sobrinhos, todos, só para me colocar numa saia justa e eu me sentir coagida a aceitar. Claro! Imagino a avozinha toda comovida com você de joelhos me pedindo em casamento e eu recusando! Certamente eu ficaria como a bruxa da história. Você fez de caso pensado. Seu tratante.

- Meu Deus, Bianca! Que raiva toda é essa? E, espere um pouco, você recusaria? Ou melhor, vai recusar?

- Claro que sim!

- Mas por quê?! Não entendo! A gente se ama, estamos juntos há mais de cinco anos, nunca tivemos problema algum, sempre foi um namoro gostoso, inclusive nossos amigos sempre dizem que queriam ter uma relação sólida como a nossa! E agora vem você com essa. Assim, do nada!

- Não é do nada, não. Acontece que você alimenta essa ideia de casamento desde sei lá quando, talvez antes mesmo de me conhecer. Alguma vez você me perguntou o que eu pensava sobre isso?

- E precisava perguntar? Realmente, você nunca falou sobre casamento, mas também nunca se mostrou contra! E agora que eu também terminei a faculdade, é o próximo passo. Não?

- Aí é que está. Não é.

- Ah não?!

- Leo, me ouve. Tenho para mim que você alimenta essa vontade desde que se entendeu por homem, que percebeu o que é um relacionamento entre um casal. Provavelmente pela trajetória dos seus pais e até mesmo dos seus irmãos, você sempre quis o mesmo. Na sua cabeça existe uma ordem natural das coisas. Perde a virgindade. Formatura. Viagem para Porto Seguro. Faculdade. Cursa o que os pais escolheram ou segue a carreira do pai – o seu caso. Namora. Formatura. Assume o negócio da família. Noivado. Casa. Carro. Casamento. Gravidez. Enxoval em Miami. Filho. Casa na praia. Outro filho. Disney. Carro maior. Talvez um terceiro bebê. Comprar moto gigante para dar a volta no quarteirão no fim de semana. Talvez uma variação aqui ou ali, mas basicamente é esse o roteiro que você considera como o ideal para se sentir e, mais importante, se mostrar bem-sucedido para a sociedade. E aí, eu como a namorada, sou inserida nesse contexto, sem ao menos ser questionada. Você presumiu que eu tinha a mesma visão e pronto.

- Credo, Bianca. Eu acho que você deu uma exagerada. Eu pensei em fazer dessa forma por achar que iria ser romântico. Ok, você tem razão, eu nunca perguntei a você. Se bem que se perguntasse antes toda a magia do momento iria se perder.

- Pois então. Esse é o problema. Se tivesse perguntado, iria saber que eu não sou contra o casamento. Entretanto, eu acho que uma decisão dessa importância deve ser tomada em conjunto, não imposta. Tudo bem, existem pessoas por aí que matariam por uma situação como essa, serem pedidas em casamento como num conto de fadas. Só que eu nunca fui uma dessas pessoas. Aliás muito me espanta você não ter percebido isso.

- Pelo visto eu conheço menos você do que eu imaginava. Parece até outra pessoa. Engraçado que até então você nunca havia mostrado essa sua repulsa com relação ao romantismo.

- Você entendeu muito bem o que eu quis dizer, mas é claro que iria se portar dessa forma. Vai distorcer tudo o que eu disse e eu vou ficar como a vilã da história. Eu jamais fui contra o romantismo. Nosso namoro funcionou até aqui pois, mesmo eu sabendo desses seus planos de casamento, família, você nunca me pressionou. E eu gosto de você. O problema aqui é um só. É você ter decidido que o momento de ficarmos noivos é agora, sem saber o que eu penso, o que eu quero. É uma atitude egoísta e até mesmo ardilosa, me colocando numa sinuca de bico diante de todo mundo. Ainda bem que a Larissa se colocou no meu lugar e me avisou.

- E viva o Clube da Luluzinha!

- Ah, Leonardo, não seja cretino, por favor. Na verdade, a sua irmã fez um favor a você também. Sim, pois você estava tão certo de que eu iria aceitar seu pedido que nem cogitou como seria se eu dissesse não. Não foi? No constrangimento que seria para você, também, ter seu pedido recusado na frente de todos. Já imaginou a cara do seu pai? Pois então. Você tem mais é que agradecer à sua irmã.

- Tá, Bianca. E agora, como vai ser?

- Bom, embora você não tenha perguntado, assim como você eu também sempre tive meus planos pós formatura. Porém, eles são bem diferentes dos seus.

- E eu posso saber sobre eles? Aliás, você se formou há seis meses. Por que até agora não ouvi nada a respeito? Taí mais um motivo para achar que você queria a mesma coisa que eu.

- Eu não disse nada antes pois eu queria mesmo esperar até a sua formatura. Eu sabia que se dissesse algo antes você poderia até mesmo ter dificuldade em terminar sua monografia. Sei bem o quão difícil é o último semestre.

- Nossa. Que mistério. Confesso que estou ficando assustado com esses seus tais planos. Nem sei mais se quero saber quais são.

- Não há nada de assustador neles. Desde o segundo semestre eu comecei a juntar o dinheiro que seria para a formatura para poder usá-lo agora, depois de formada.

- Como assim? E a sua festa de formatura, quem pagou?

- Meu pai. Por mim eu nem participaria, no máximo como convidada de um dos meus amigos da sala. Só que quando eu disse ao meu pai ele fez questão de bancar, pois ele queria a festa. Única filha, valsa, colação de grau, roupas de gala, enfim, você conhece o velho.

- Então você aceitou o dinheiro dele. Quem diria.

- Acabei de explicar. Ele queria a festa. Foi mais por ele do que por mim. E qual o problema? Sim, eu sempre fiz o possível para me manter sem precisar dele e justamente por isso tive que escolher não participar da formatura, se quisesse ter dinheiro para o que pretendo fazer agora. Ele se ofereceu, eu aceitei. E fiz muito bem, pois a festa foi maravilhosa. Bom, você viu né, afinal estava lá.

- Tá, tá. Mas afinal, o que tanto você pretende fazer? Ainda não me disse.

- Eu pretendo, quero dizer, eu vou fazer uma viagem pelo Brasil. Especialmente pelo Nordeste. Se bem que com a grana que eu guardei, eu vou conseguir conhecer outras regiões e quem sabe até algum país vizinho. Quero ficar pelo menos uns três meses na estrada.

- Mas viajar, agora? Vai ser difícil para mim. Papai está doido para passar a empresa para eu comandar, não via a hora da minha formatura para se aposentar. Se eu disser a ele que vou fazer uma viagem, ainda mais de três meses, acho que ele surta. E outra coisa. Nordeste? Com esse dinheiro dá para conhecer vários países da Europa.

- Pronto. Lá vem. Além de todos os clichês, mais esse. Por que só Europa presta e seu próprio país não? Por que esse tom de desprezo quando disse “Nordeste”?

- Ah Bianca, não vai querer dizer agora que a Europa é feia e não vale a viagem?

- Eu jamais disse e jamais direi isso. Eu sonho em conhecer muitos lugares da Europa. E irei conhece-los. O que me incomoda é esse pensamento de que viajar pelo próprio país “não dá status”, por isso não vale nada. E antes de viajar para o exterior eu acho no mínimo mais sensato viajar pelo meu próprio país. Não me vejo indo para, sei lá, Grécia sem antes ter conhecido as praias nordestinas. O Brasil é tão vasto, tão diverso, com tantos atrativos, que não dá para não querer conhecer tudo. Mas... agora me dei conta. Como assim “vai ser difícil” para você? Acha que vamos juntos?

- Ué, não vamos? Como assim?! Você pensou em viajar sem mim? Com quem você vai viajar? Só falta me dizer que com a Larissa!

- Não, não é com ela. Nem com você. Eu vou sozinha.

- Sozinha?

- É, sozinha. Mesmo antes de saber dessa maluquice de pedido de casamento eu já havia decidido. Eu vou viajar sozinha.

- Mas Bianca, meu Deus! Então além de recusar meu pedido de casamento, vai terminar nosso namoro?! Então por que ficou comigo esse tempo todo? Fui um idiota útil?

- Não é nada disso, Leo. Eu gosto de você. Nosso namoro foi muito bom, fiquei com você por gostar de você, da gente juntos. E foi dando certo durante a faculdade pois nossas cabeças estavam focadas no mesmo objetivo, o fim do curso. Só que eu sabia que era só uma questão de tempo. Eu sabia que você não aceitaria fazer uma viagem desse tipo comigo. Eu sabia que você iria começar a pensar em casamento. Só que foi mais rápido do que eu imaginei. A minha intenção era conversar com você, depois dessa bagunça toda de fim de ano. Uma conversa só nossa, adulta. Mas aí você resolveu atropelar tudo que não teve outro jeito.

- Olha, eu confesso que nem sei mais o que dizer. Já vi que está decidida. Existe alguma coisa que eu possa fazer para que você mude de ideia?

- Não, Leo. Não existe.

- Sendo assim, melhor eu ir embora. Nem quero ver quando contar para meus pais. Eles adoram você.

- Sim, eu sei e também gosto muito deles. Gosto de toda a sua família, sempre me acolheram muito bem. E Leo, por favor, não vá infernizar a vida da Larissa, ok? Ela não fez por mal. Pelo contrário, fez pelo nosso bem.

- Que seja. Bom, se mudar de ideia, sei lá, sabe onde me encontrar.

- Sim, eu sei. Mas a gente não precisa se afastar por causa disso. Podemos continuar...

- Bianca, por favor, não. Não me peça isso. Uma coisa é eu ter que respeitar sua decisão, por mais absurda que eu a considere. Mas não pense que vamos virar melhores amigos. Para mim não vai ser simples assim. São mais de cinco anos juntos. Cinco anos de convivência, de amor, de carinho, de intimidade, de confiança e confidências. Cinco anos de planos, ainda que só da minha parte. Não dá para transformar tudo isso em passado assim, de uma hora para outra. Preciso de um tempo. Faça uma boa viagem. Espero que nada de ruim aconteça com você nessa sua aventura maluca. Viajar sozinha... E vamos deixar o tempo passar. Como diz a vó, “o futuro a Deus pertence”.

- Sim... Bom, então acho que é isso, não?

- É. Pelo menos por agora, é isso.

- Tudo bem então. Mande lembranças à sua família. Gostaria de poder me despedir deles pessoalmente, mas algo me diz que não vai ser uma boa ideia.

- De forma alguma. Só peço que me deixe contar para eles antes. Depois você pode ir visita-los, claro. Tenho certeza que isso não mudará o afeto que sentem por você. Sou eu que preciso de um espaço, de um tempo para digerir tudo isso. Bom, melhor eu ir agora.

- Ok, Leo. Também vou. Obrigado por tudo. Do fundo do coração. E espero que um dia entenda minha decisão.

- É, eu também espero poder entender tudo isso.

Nenhum comentário: